À Espreita Entrevista: Vivi Mendez

No dia do seu aniversário, autora argentina, mas com coração brasileiro, lança seu novo livro de poesias. Conheça a médica, educadora, autora e defensora dos direitos humanos que vem fazendo história na fronteira Brasil/Bolívia.

Na linha de frente Brasil/Bolívia, Alicia Viviane Mendez Rosales ou simplesmente Vivi Mendez, é uma mulher que representa a luta pelos direitos humanos, do empoderamento das mulheres e na defesa de minorias com grande atuação em comunidades indígenas. Argentina de nascimento, Vivi desenvolve atividades em Corumbá (Brasil) e Puerto Quijarro (Bolívia). Atua como professora, escritora, médica e terapeuta. Detém o título Honoris-Causa em Direitos Humanos, concedida por uma universidade espanhola. Vivi Mendez ainda estudou Administração Educativa, Pedagogia, Psicopedagogia, Arte-terapia, Fotografia e Medicina, com atuação na Cruz Vermelha.

Evan – Hoje entrevistaremos Vivi Mendez, coincidentemente, bem no dia dos seu aniversário e também dia do lançamento do seu livro de poesias chamado Alicitas. Além de ser uma honra, é também um grande prazer poder conversar contigo. Desde já, agradecemos a sua disponibilidade e atenção em falar conosco. Você é dona de um currículo invejável em diversas áreas. Saúde, pedagogia, direitos humanos e também… literatura. Conte para nós, como uma médica descobriu o talento para escrever, expressar seus sentimentos e sua visão de mundo através da escrita.

Vivi – Acho que não foi a médica quem descobriu a escrita e sim a escrita foi a que me levou a querer ser médica… Desde criança gostava de cuidar plantas, animais, pessoas, e da relação com a natureza e minha mãe, (especialmente minha mãe Alicia, junto a minhas avós, todas mulheres fortes e guerreiras) a escrita foi uma boa companheira de todo tipo de momentos. Meu pai escreveu para mim uma poesia no meu violão quando  eu tinha 5 anos. Desde que a vi ali, incrustada na madeira, e depois recitada por ele,  Francisco, meu desejo de escrever desde minha genuína humanidade, surgiu com força de nunca parar. A primeira vez que escrevi um livro, aos 8 anos, o qual se chama “As flores de meu caminho”, tive a minha mãe como minha primeira leitora, e vi ela chorar ao terminar de lê-lo. Assustei. Mas depois ela me deu o abraço mais intenso que já senti em toda minha vida, e de ali em frente soube que escrever, era bom, era curador, era libertador. Minha mãe foi minha inspiração sempre para nunca deixar de estudar, e por isso recorri os universos da filosofia, da teologia, da pedagogia e psicologia, dos direitos humanos,  das artes,  da musica, das terapias e da medicina. Cuidar de almas, acho que é minha missão. Cuidar de mim e das pessoas que me rodeiam. Cuidar delas por inteiro, não só do corpo e sim de todo seu ser: sua mente, sua espiritualidade, de toda sua integralidade como ser humano. Isso tem muita poesia. Tem muita humanidade. Tem erros e acertos, tem intentos, medos e coragem. Somos tudo isso, e só nossos sentimentos e emoções se completam na expressividade de nosso ser por meio da cultura que criamos e recriamos todo dia. Atualmente sigo estudando, se bem a medicina exige estudar todos os dias, (e muito mais nesta época de pandemia), aproveitando a quarentena, também continuo estudando Musicoterapia e Gestão Hospitalar.

Vivi Mendez recebendo seu título de honoris
causa em Pedagogia

Evan – Você se diz “Argentina de nascimento, boliviana por casamento, brasileira por filhos e latino-americana por vocação e cidadã do mundo por amor.” Conte-nos um pouco sobre como é essa história.

Vivi – Nasci em Tucumán, Argentina. Meu esposo, Bismark, é boliviano e adquiri a nacionalidade por matrimônio. Ao crescer nossa família, decidimos assentar residência em Corumbá, MS, na fronteira Brasil-Bolívia, lugar que funciona até hoje como comando geral para ver crescer filhos e netos, e não abandonar nossas tríplices raízes argentinas, bolivianas e brasileiras. Por ter filhos das três nacionalidades, somos uma família tipo Mercosul, literalmente, mais temos filhos e neto até no Reino Unido. Nossa família, tomou o mundo nas suas mãos e está tentando fazer sua parte como cidadãos deste planeta.  

Evan – Recentemente você registrou um novo estilo de poesia. Fale para nós sobre esse novo estilo e como ele se diferencia dos demais. 

Vivi –  Este novo estilo literário de poesia breve se chama ALICITAS, honrando a minha mãe. Tive o prazer de estudar com ela tanto teologia como pedagogia. Na área da pedagogia gostávamos muito da alfabetização e a psicogênese. Na época, iniciamos a escrita de um livro que nunca terminamos, “A criança e seu jogo”(provável projeto a retomar em 2021). Nessa época, brincávamos muito com as letras e os versos, e tratando de crianças, este universo é infinito. Assim surgiu os jogos de palavras, que depois, estudando medicina e neurologia, junto a meu filho Adrian, que hoje é neurocientista, vimos a importância destes exercícios para o cérebro. Continuei desenvolvendo um tipo de jogo específico e assim surgiu ALICITAS: se inicia com qualquer letra desta palavra e se continuam sucessivamente, 7 palavras-versos mais iniciando com a segunda letra da palavra anterior em formato de escadinha. Desta maneira, tentando criar uma imagem poética, sem usar signos de pontuação… É um tipo de exercício mental que ao mesmo tempo nos propõe um exercício linguístico. Tenta traduzir palavras que surgem de nosso imaginário, podendo ser realizadas em qualquer idioma. Poderia dizer, neste sentido, que ALICITAS traz algo de poesia terapêutica para a alma e para novas amizades, já que este estilo nos uniu numa pagina de Facebook muito interativa e produtiva para todos. 

Evan – Impressionante! E agora você está lançando o livro ALICITAS, Poesia Breve, trazendo à luz esse novo estilo de poesia. Como foi o processo de criação para este livro?

Capa de ALICITAS – Poesia Breve

Vivi – O processo se deu nessa pagina do Facebook, própria para a divulgação e assim somaram-se vários escritores, autores, amigos e entusiastas que compartilharam suas criações no estilo de ALICITAS. Posso dizer que estamos lançando uma obra a 36 pares de mãos…Me acompanham 35 autores nesta antologia coletiva, onde eu sou, mais uma autora entre tantos entusiastas e amantes de ALICITAS. Este primeiro livro traz 160 ALICITAS, todas desde o genuíno exercício de compartilhar, sem julgar, e tentando respeitar as regras de composição. Assim surgiram estas composições finalistas, todas dentro das normas literárias propostas por ALICITAS.

Evan – Você já participou de várias antologias, co-autorias e autorias de outros livros e tem até um disco gravado. Conte para nós um pouquinho da sua trajetória na literatura e que chegou até a música.

Album “Ofreciendo Mi Corazón” de Vivi Mendez

Vivi – A música sempre me acompanhou desde pequena e com ela estava a poesia. Não consigo separar as duas coisas. Minha família e muito musical. Todos os meus irmãos cantam igual ao que meus pais cantavam e escreviam poesias ou composições musicais. Tenho irmãos compositores e cantantes muito talentosos. Acho que isso vem de berço. Mas o primeiro livro surgiu aos 8 anos, depois algumas poesias na adolescência, ganhando concursos e festivais. Somente depois, de algumas antologias compartilhando com outros poetas, me animei à meu primeiro livro solo, dedicado a meu esposo pelo seu aniversário. Depois disso, já tinha bastante coisa na gaveta que durante os anos ficou tomando corpo como  um vinho, e não parei de publicar e criar até agora. Claro que também escrevo coisas mais científicas, com cunho pedagógico, com objetivo laboral…mas o que conta para mim é a escrita livre, onde nada nem ninguém pode te julgar, onde deixas tua alma livre só para expressar. E ali você se encontra escrevendo desde o que você é realmente e nesse transe você encontra muitas almas que vibram como você. Isso e fantástico. Minha quarentena não seria igual sem meus amigos poetas. A musica me eleva, me dá esperança, compartilhar isso, me faz mais humana. Não pretendo ser boa poeta, boa cantante, intérprete ou  boa compositora. Só pretendo ser o melhor que posso ser, desde toda minha falha humanidade em constante evolução. E este crescimento nunca se dá sozinho: crescemos juntos aos outros que nos acompanham nesta caminhada da vida. A poesia e a musica, é isso, instrumentos que me fazem dar vontade de ser uma ser humana cada dia melhor.

Evan – Direitos Humanos é uma das suas bandeiras, inclusive até com reconhecimentos da própria ONU. Como foi que essa luta entrou na sua vida?

Vivi – Trabalhei mais de 30 anos na defesa de direitos humanos em distintas frentes, mas sempre dedicada a populações tradicionais, ribeirinhas ou originárias. Conhecer outras culturas ampliou minha percepção de humanidade e como observadora, juíza, defensora, ativista, na pastoral e na prática comunitária, aprendi coisas que nenhuma universidade me ensinou. Fui escolhida pela ONU como liderança  pelos 30 anos de serviço e recebi todo o apoio necessário para cursar algumas demandas latino-americanas que ainda estão em litígio. Além deste reconhecimento, aporto à instituições como a Cruz Vermelha como voluntária dirigindo uma filial na Bolívia, colaboro na Anistia Internacional, faço  parte da Ong PNP em questões de incidência política, sou acadêmica da Organização Mundial de Defensores de Direitos Humanos (OMDDH)-Pacto Global da ONU, onde desempenho função de Embaixadora Imortal da Paz para as Nações, onde também recebi o Doutorado  Honoris Causa em Direitos Humanos no ano 2018 e desde então colaboro assessorando em algumas causas e questões comunitárias como amici curiae e atuo na FEBLACA, como acadêmica correspondente cultural.

Evan – Uau!! Realmente é muito trabalho e de suma-importância. Vamos falar um pouco agora da área pedagógica, porque contigo, assunto é o que não falta. (Risos). Você tem um vasto conhecimento na área de pedagogia e psicopedagogia também e já trabalhou e ainda trabalha em diversos projetos voltados à educação. Conte-nos um pouco sobre essa trajetória e quais os principais desafios que os profissionais da educação enfrentam, na sua perspectiva.

Vivi – Tenho 30 anos na educação também, e recebi este ano em junho o Doutorado Honoris Causa em Pedagogia pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos. Trabalhei na educação formal, na não formal em Ong e instituições do terceiro setor, e em universidades tanto publicas como privadas. Trabalhei na Unesco, nas principais reformas educativas na latino-américa como consultora e para uma cumbre presidencial do Mercosul e outras organizações.  O desafio  será sempre de dar o verdadeiro lugar que merecem aos educadores de qualquer nível ou modalidade educativa. Se bem, a tecnologia surge como braço forte nesta época de distanciamento social, nada será efetivo se não conta com o olhar pedagógico destes profissionais. Estes tempos têm exigido demais dos docentes que não estavam preparados para interagir digitalmente, e mesmo assim, com dificuldades, eles estão dando conta do recado, mas ainda são muitas cobranças à eles e nada de apoio estrutural. Baixos salários, sem condições tecnológicas nas escolas, nem treinamentos de qualidade para eles… assim fica difícil esta tarefa de educar, sendo cobrada só na via da entrega de resultados quando nada se dá a eles para complementar sua ação pedagógica, que de fato, é transformadora quando se realiza com muita consciência humanizada para uma educação verdadeiramente humanizante. Educar hoje não é passar informação,  é encaminhar o entendimento e o processamento para a seleção de tais informações e isto é fundamental para a criação de juízo crítico e posicionamento  genuínos na formação de cidadãos protagonistas de seu tempo.

Evan – São tempo difíceis para todos, sobretudo para a educação. Cobrança sem suporte não é novidade, e isso, na quarentena ficou ainda mais evidente. Voltando a falar de projetos literários, além de ALICITAS, existe algum outro projeto ligado à literatura em desenvolvimento? Algum novo livro em andamento ou algo parecido?

Vivi – Sempre tenho as gavetas cheias de projetos paralelos: O livro infantil “Meu mundo de queijo”, inspirado na minha sobrinha, Abril, está sendo traduzido em três idiomas e isso é apaixonante, porque cada cultura tem sua visão sobre o universo infantil e suas expressões próprias.  Estou trabalhando nas traduções ao espanhol dos livros de terror do escritor Eduardo Mendes (a quem admiro muito) e  apoiando como editora na escrita do primero livro de minha amiga Katiuscia Mendez sobre a Pandemia. São Mendez com “s” e com “z”, familiares das letras, não de sangue… curiosamente! (Risos). Mas este ano foi interessante porque descobri vários familiares aqui no Brasil também por causa das letras! Este ano publiquei exatamente (contando ALICITAS que sai hoje do forno) 8 livros. Por 2020, acho suficiente. Nisto, a pandemia, ajudou.

Evan – Educação e cultura estão intimamente ligadas. Embora ninguém tenha certeza de como serão as coisas futuramente, falando em pandemia, qual a sua expectativa para a retomada das diversas atividades humanas e econômicas, principalmente na área da literatura, artes, cultura em geral? Acredita que haverá uma retomada das atividades, dos projetos ou vamos amargar sérios danos à essas atividades?

Vivi Mendez em um de seus diversos trabalhos educacionais

Vivi – A cultura está mais viva do que nunca, as artes se adaptaram ao mundo digital e não para de gritar pelas injustiças, a inconsciência e a falta de cidadania. Este é o papel da arte. A cultura manifesta por meio das diferentes expressões quem somos e o que queremos. Lamentavelmente, os governos não vêm neste direito, que temos como cidadãos, um motor para o desenvolvimento, e isto é um erro grave. A verdadeira força está nas pessoas e nas suas cosmovisões, sua criatividade e modus operandi de responder aos desafios dos tempos, encontrando soluções e construindo redes solidárias de inteligência coletiva,  exercitando a resiliência  e evoluindo dia a dia desde o seu melhor. A verdadeira economia deveria estar centrada nestes valores das pessoas, não nos interesses mesquinhos de poucas pessoas donas de grandes corporações e empresas gigantescas que terminam moendo a carne humana e descartando suas vísceras em nome dos grandes capitais. O dinheiro é bom para melhorar a vida das pessoas, mas não pode seguir morrendo pessoas pelo dinheiro. Este custo está sendo muito grande; O planeta grita. Não temos mais dúvidas disso, mas ainda a máquina está em mãos poderosas que não se importam com a vida. É aqui que reside o valor de nossa cultura e toda arte que podamos produzir desde nossos valores: nossa identidade, nossas populações, nossas fortalezas são as únicas que em sua singularidade podem dar sentido ao surgimento de uma nova humanidade onde se priorize a vida em todas suas manifestações.

Vivi Mendez e alguns dos seus trabalhos literários

Evan – Que mensagem você gostaria de deixar para os amantes da literatura, sejam eles leitores, autores, fomentadores, etc.?

Vivi – Leiam, tudo o que puder, todos os estilos, conheçam a variedade de suportes e diversidade de criações e seus criadores literários. Por trás de cada produto literário existe uma pessoa com toda uma humanidade para se descobrir. A cultura é um direito! Expressar-se também! Não desperdice seus direitos! Ampliem seus universos de compreensão, saiam de suas caixinhas. Só a educação nos dá o poder de pensar por si próprios. E como dizia minha mãe, “a educação liberta!” Seja, sobre todas as coisas, um ser livre!

Evan – Vivi, muito obrigado pelo seu tempo, sua disposição em conversar com a gente e espero que nosso leitores tenham curtido tanto esse nosso bate-papo quanto nós do À Espreita. Desejamos todo sucesso em seu trabalho e nosso agradecimento, em nome de todos os leitores, por todo o seu empenho na causa do ser-humano. Muito sucesso com Alicitas!

Esta foi nossa conversa com este ser maravilhoso chamado Vivi Mendez. Se você gostou, curta, deixe sua mensagem, comentário…

Abaixo um pouco mais do trabalho literário de Vivi Mendez. Não deixe de conferir.

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Publicado por Evan Klug

Escritor, Redator, Roteirista, Produtor de Conteúdo para Web e Analista de Qualidade. Amante da literatura, super-heróis, boa comida e o bom e velho rock n' Roll.

4 comentários em “À Espreita Entrevista: Vivi Mendez

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